terça-feira, 24 de agosto de 2010

478. Jovem autista espera há mais de um ano por uma cirurgia (II)

477. Jovem autista espera há mais de um ano por uma cirurgia (I)

Duarte aparentava ser um menino normal, mas aos 2 anos de idade foi-lhe diagnosticado autismo. O jovem tem agora 13 anos e está há mais de um à espera de ser operado no Hospital de Ponta Delgada. Entretanto, o quadro clínico de Duarte agrava-se a cada dia que passa.
O adolescente já não consegue mastigar os alimentos por ter os dentes quase todos cariados e não consegue ir a um médico dentista convencional. O hospital alega que o jovem está em lista de espera, mas o desespero da família começa a aumentar. A mãe do doente afirma que já tem de triturar todos os alimentos que o jovem ingere, e não tem médico de família, um factor que ainda atrasa mais o processo.
Desesperada, a mãe entregou uma carta do pediatra a solicitar a operação. A mulher já escreveu, inclusive, uma carta ao director da unidade de saúde a explicar toda a situação. Ir para um privado está fora de questão porque Fernanda Tomé não consegue sustentar os custos. Para já, a data prevista para a operação é a última semana de Setembro.
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À senhora Ministra da Saúde, ao senhor Director – Geral de Saúde e à Ordem dos Médicos Dentistas: vejam aqui os efeitos da ridícula política de saúde oral que protagonizam para o nosso país. Este é um exemplo da flagrante violação dos direitos humanos em Portugal quando uma criança necessita de cuidados médicos.
Um caso que merece ser denunciado a nível internacional.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

476. Quatro anos de SAÚDE ORAL

Completa-se hoje quatro anos que se publica o Saúde Oral. Ao longo destes quatro anos foram aqui tratados os mais variadíssimos assuntos relacionados com a saúde oral em Portugal; infelizmente, ainda há imenso trabalho por diante, pois o balanço de quatro anos sobre a saúde oral em Portugal pouco de positivo trouxe para a sociedade, e muito menos para os mais pobres e os excluídos.
O Saúde Oral procurou estar sempre actualizado, informando os seus leitores sobre as ultimas novidades relativas à saúde oral no nosso país. Mantendo uma linha editorial independente, o Saúde Oral procurou estar sempre na defesa da sociedade civil, nunca alinhando por interesses cooperativistas, não deu a mão às desastrosas políticas seguidas pelos vários governos e pela Direcção – Geral de Saúde nesta área, e não foi protagonista dos grandes grupos económicos com grandes interesses directos no sector.
O Saúde Oral pautou-se pelo direito à indignação e à frontalidade, sempre que estive em causa os direitos dos cidadãos consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Os atropelos constantes aos direitos consagrados na Constituição da República, no acesso a cuidados de saúde, protagonizados nas políticas saídas do Ministério da Saúde, por vezes alinhadas por interesses cooperativistas dentro do próprio sector, aliado à ineficácia dos poderes amorfos da Assembleia da República e do Presidente da República, permitem a violação sistemática e demagógica dos direitos fundamentais do homem, incluindo os consagrados na Carta dos Direitos da Criança, negando-lhes um dos mais elementares direitos humanos: o acesso a cuidados de saúde.
Num país onde a formação dos médicos dentistas é feita à custa de todos os portugueses que trabalham e pagam impostos, continuam-se a utilizar esquemas que proíbem o acesso de cuidados de medicina dentária à esmagadora maioria da população. Os cuidados de saúde oral são hoje quase exclusivamente um direito dos políticos que ocupam cargos do poder central e da burguesia; a classe trabalhadora terá ainda muito que lutar para conseguir igualdade de direitos nesta atroz sociedade saída do 25 de Abril de 1974.
A vergonha demagógica exercida por aqueles que querem que o sistema continue como está vão ter o Saúde Oral por companhia durante muitos mais anos.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

475. Pingo Doce ajuda Câmara a tratar saúde oral dos munícipes

O projeto “VRSA a Sorrir” foi lançado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (VRSA) no final do ano passado e até à data já financiou tratamentos dentários a 85 vila-realenses.
Desde o momento em que aquela autarquia anunciou um protocolo com seis clínicas do concelho e o financiamento dos tratamentos de saúde oral à população mais carenciada que o número de inscritos não pára de crescer. Atualmente já são cerca de 1500 as pessoas que esperam ser chamadas.
“Nem todas as pessoas inscritas correspondem aos critérios exigidos pela autarquia, os quais foram estabelecidos em função das condições económicas de cada agregado familiar. Neste sentido, a Câmara continua a fazer as respetivas análises sociais para saber quais as pessoas que estão em condições de integrar o programa”, explica o presidente da Câmara Municipal de VRSA.
Depois do protocolo celebrado com seis dentistas do concelho, na última semana o projeto recebeu um novo fôlego financeiro através do Pingo Doce, que colaborou com 150 mil euros ao abrigo do mecenato social.“É claramente um reforço financeiro muito importante e um gesto de louvar. Temos uma dotação financeira de 300 mil euros para este ano e só com este contributo conseguimos financiar o projeto em 50 por cento”, explicou Luís Gomes.
No entanto, o autarca reconhece que o orçamento necessário para resolver definitivamente os problemas de saúde oral dos munícipes “não tem limites” e “não se consegue definir”, porque “há pessoas a inscreverem-se continuamente”.
Hélder Jacinto, do Pingo Doce, recordou que se trata do primeiro apoio daquela cadeia de supermercados para a área da medicina dentária e saúde oral. Em relação à iniciativa da Câmara de Vila Real de Santo António, aquele responsável sublinhou que “é um exemplo que deve ser seguido por outras autarquias”.
JA, Jornal do Algarve
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Aqui está um exemplo do que deve ser as boas práticas no que se refere ao patrocínio de iniciativas com vista à promoção da saúde oral das populações.
Projectos em que as entidades promotoras do mecenato são as mesmas que gerem os recursos e “contratam” dentistas para mostrarem trabalho não têm cabimento na promoção real da saúde da população, visando muitas vezes esquemas de fuga aos impostos e enriquecimento ilícito.É necessário e fundamental separar entidades promotoras do mecenato das entidades que gerem os recursos disponíveis; por sua vez, aos médicos dentistas compete-lhes apenas a execução das intervenções clínicas, sendo devidamente compensados pelo seu trabalho.
A Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, o Pingo Doce e os dentistas que aderiram a este projecto estão de parabéns; assim haja outras autarquias do país a copiar este exemplo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

474. A degradação perniciosa das condições de trabalho dos médicos dentistas em Portugal

Médicos Dentistas (M/F) Zona de Leiria
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ESTA OFERTA JÁ NÃO ESTÁ ACTIVA
A Sucesso24horas, empresa de Gestão de Recursos Humanos especializada na prestação de serviços na área da saúde, presente em todo o território nacional e Regiões Autónomas, faz recrutamento e Selecção de Profissionais da Saúde para Estabelecimentos Prisionais, em escalas de Serviços de Urgência Hospitalares, Centros de Saúde e outras entidades, no sentido de colmatar necessidades existentes.
Estamos neste momento a recrutar Médicos Dentistas(M/F) para Estabelecimento Prisional na Zona de Leiria, para substituição de Férias com o seguinte perfil: licenciatura em Medicina Dentária (cédula profissional válida); disponibilidade de trabalhar em diversos horários (part-time) e disponibilidade para exercer funções através de recibos verdes.
Oferece-se: remuneração compatível com as funções e garantia de projecto até Dezembro de 2010, com possibilidade de renovação. Se tem o perfil pretendido, envie por favor o seu CV para: ssoares@sucesso24horas.com
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Qual será a reacção da Ordem dos Médicos Dentistas a esta subalternização das condições de trabalho impostas pelo Estado, violando direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

473. Diário Digital / LUSA entrevistam Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (Parte 2: Análise da entrevista)

A Ordem dos Médicos Dentistas considera excessivas as vagas disponíveis no Ensino Superior para os cursos de medicina dentária em Portugal, justificando o facto de a actividade ser exercida quase exclusivamente pelo sector privado, o rácio de profissionais em Portugal estar acima da média europeia e a idade relativamente jovem dos actuais médicos dentistas.
Efectivamente, um dos grandes bloqueios ao exercício da actividade da medicina dentária em Portugal é o facto de estar concentrada no sector privado, que impõe preços exorbitantes por qualquer tratamento e tornando o seu acesso restrito a uma escassa percentagem da população que tem posses económicas; a grande maioria dos portugueses continua simplesmente impossibilitada em ter acesso à medicina dentária. Talvez fosse por aqui que a Ordem dos Médicos Dentistas deveria actuar, pactuando pelo respeito da Constituição da República Portuguesa e exigindo a integração da medicina oral no Serviço Nacional de Saúde, em perfeita concorrência com o sector privado. Todos teriam a ganhar:
- maior saída profissional para os jovens médicos dentistas;
- maior concorrência entre o sector público e o sector privado, baixando consideravelmente os actuais preços onerosos praticados pelas clínicas e consultórios e melhorando consideravelmente a qualidade dos serviços prestados;
- maior acesso da população a cuidados de saúde oral, traduzido por uma significativa melhoria da saúde oral da população portuguesa.
O facto do rácio de profissionais em Portugal estar acima da média europeia constitui uma mais-valia que ainda não foi traduzida em termos de ganhos para a população, uma vez que os estudos demonstram um significativo desfasamento dos indicadores de saúde oral dos portugueses relativamente aos outros países europeus; assim sendo, existe ainda uma larga lacuna de cuidados de saúde oral a prestar à população portuguesa que pode absorver facilmente todos os profissionais existentes.
A existência de médicos dentistas com idade ainda relativamente jovem é benéfica para o país; pessoas jovens estão sempre mais disponíveis para fazer mais e melhor pela saúde oral da população do nosso país. Cabe-lhes a eles abrir novas perspectivas da prestação de cuidados de saúde oral à população, ultrapassando obstáculos e a inércia de quem já se encontra instalado na área há muito tempo e que apresenta relutância em adaptações, quebrando interesses instalados no sector e colocando a medicina dentária ao serviço daqueles que efectivamente mais precisam de ser atendidos. Tenha a Ordem dos Médicos Dentistas capacidade em investir nestes jovens médicos dentistas e procurar dinamizar o sector da saúde oral no país, apostando em iniciativas inovadoras que valorizem os jovens médicos dentistas e que sejam benéficas para a população – o cooperativismo e o sindicalismo, por exemplo, podem ser vias alternativas que defendam os interesses dos jovens dentistas contra os abusos e explorações dos grandes grupos económicos da área da saúde e do Ministério da Saúde.
Se há largas centenas de dentistas portugueses emigrados, então é porque são-lhe oferecidas condições de trabalho dignificantes que compensa a sua ida para o estrangeiro; a Ordem dos Médicos Dentistas e as outras organizações relacionadas com a saúde oral devem lutar e exigir também a pratica dessas mesmas condições em Portugal.
A Ordem dos Médicos Dentistas deverá providenciar, em primeiro lugar, o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde oral em igualdade de circunstâncias, tanto no sector público como no sector privado; a limitação das vagas para medicina dentária nunca deverá ser prioritário enquanto a própria Ordem dos Médicos Dentistas reconhecer que uma larga maioria da população portuguesa continua impossibilitada em ter acesso a cuidados de saúde oral. Os actuais confrangimentos em termos de saídas profissionais no nosso país residem na falta de regulamentação e na quase completa falta de fiscalização activa do exercício da actividade de medicina dentária no nosso país, permitindo-se que as multinacionais, os grandes grupos económicos e as seguradoras façam toda a espécie de exploração da mão-de-obra, nem qualquer garantia de saúde para os clientes.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

472. “A doença mais prevalente na sociedade portuguesa é a cárie dentária”

Carlos Pereira, de 46 anos, doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, médico dentista, professor na Escola Superior de Saúde de Viseu (ESSV), coordenou um estudo sobre a saúde oral dos jovens da região Centro. Natural de Sátão, começou a sua vida profissional pela enfermagem, mas a paixão pela saúde oral foi mais forte, tornando-se o primeiro doutorado na ESSV. Escolheu Viseu para viver, mas optou pela vila natal, para abrir um consultório. Já sabia que as bocas da maioria dos portugueses é um problema grave, mas os resultados do estudo que coordenou ainda o conseguiram surpreender: “É espantoso que 20 por cento dos adolescentes não fazem ideia do que é o fio dentário”.
-Como surge a oportunidade de realizar este estudo com os jovens entre os 12 e os 18 anos da região Centro?
-A ideia de desenvolver este estudo surgiu da inexistência de evidências, de provas, de dados concretos sobre este fenómeno que estudámos. Não tínhamos dados relativos à população e, no caso concreto dos adolescentes, sobre a forma como estes realizavam a sua higiene oral, o número de vezes que visitavam o médico dentista e, por desconhecermos, foi essa a motivação mais importante.
-A falta de dados concretos era uma barreira?
-É impossível planear cuidados, planear uma assistência fundamentada se não conhecermos os dados mais elementares desse fenómeno, sobre o qual podemos intervir.
-Partiram com a ideia de que a situação não era boa e é preciso concretizar no terreno?-Tínhamos a noção que o cenário não era animador. Isto para dizer que o cenário não nos surpreendeu. Quem faz clínica depara-se todos os dias com esta questão da higiene oral realizada de uma maneira menos correcta. Daí até planeámos o estudo e realizá-lo foi um passo.
-O estudo abrangeu os seis distritos da região Centro (Aveiro, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Coimbra e Leiria)?
-Fizemos uma abordagem maioritariamente no distrito de Viseu e, depois realizámos estudos em outros distritos.
-Não será abusivo dizer que é um estudo da região Centro?-Não. Todos os distritos da região Centro foram visitados. Se me perguntar: Foi feito de modo equitativo? Não é verdade, a região onde incidimos mais foi o distrito de Viseu, onde incluímos todas as escolas públicas do 2º e 3º Ciclos e secundário, excepto o 1º Ciclo e a Pré-escola.
-O estudo foi feito em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de Medicina do Porto. Porquê esta parceria?-Eu fiz a minha formação pós-graduada, nomeadamente o mestrado e o doutoramento na Faculdade de Medicina do Porto. Daí ficaram amizades, ficaram contactos de investigação, o meu gosto pela investigação surgiu aquando a minha passagem pelo Porto. Um outro aspecto é que um dos tópicos apresentado [no estudo], a questão dos comportamentos da saúde oral em adolescentes da região Centro, foi estudado pelo dr. Nélio Veiga, meu aluno de mestrado e que fez o mestrado em Saúde Pública na Faculdade de Medicina do Porto. Esta espécie de dois em um faz da universidade também legitimamente co-autora deste estudo.
-Essa ligação privilegiada abre caminho a outros estudos na Escola Superior de Saúde de Viseu?-Este estudo não é o primeiro feito em parceria com a Faculdade de Medicina do Porto. Fizemos um trabalho sobre a prevalência da obesidade no distrito de Viseu, também em parceria com a Faculdade. Também há uns anos atrás, e estou-me a lembrar de trabalhos com maior visibilidade, realizámos um outro trabalho sobre comportamentos sexuais em adolescentes.
-Há outros em desenvolvimento?-Há outros na forja. Um com a Escola de Saúde da Universidade de Aveiro que estamos a realizar, mas ainda é precoce levantar o véu.
-Este tipo de trabalhos é uma constante na Escola Superior de Saúde de Viseu?-Sim. Na investigação que os nossos docentes têm que realizar no âmbito da sua formação pós-graduada, tem havido o cuidado por parte dos seus orientadores, para que essa investigação possa ser diferente daquela que é feita com o propósito de defender uma tese.
-Diferente em que aspecto?-A investigação só faz sentido se se transformar em conhecimento, e conhecimento é estar ao serviço do cidadão, de todos quantos precisam de consultar a investigação científica, consultar as provas para prestar cuidados. Penso que houve da nossa parte o cuidado de fazer investigação que possa dar resposta concreta a questões concretas das populações.
-Quais são os resultados genéricos do estudo que nos trouxe a esta conversa?-Em termos de conclusão podemos dizer que um em cada cinco adolescentes não escova os dentes. Estamos a falar de 20 por cento.
-Isso é mau ou muito mau?-É péssimo. O desejável era que desde tenra idade seja incutido nas crianças hábitos de higiene oral, que passam por escovar os dentes, escovar a língua, escovar as gengivas, no fundo, ter uma higiene cuidada com a boca e dentes. Depois, dizer que só um quatro dos adolescentes (25 por cento) escova os dentes duas ou mais vezes por dia, admitindo que a escovagem duas vezes por dia é o mínimo. Outra nota que importa reter é que, se escovarmos os dentes duas ou mais vezes por dia, a utilização do fio dentário pelo menos uma vez por dia, e a visita regular ao médico dentista, duas vezes por ano, chegamos à conclusão que menos de dois por cento dos nossos adolescentes têm hábitos de saúde oral correctos. Uma outra nota, para dizer que é espantoso que 20 por cento dos adolescentes não fazem ideia do que é o fio dentário.
-O que mais o surpreendeu?-Esta questão do fio dentário.
-Já encontrou razões para isso?-Provavelmente nunca ouviram falar, e admito que não acontecerá em todas as consultas esse ensinamento. Muitas vezes, há questões primárias, mais preocupantes e mais emergentes. Se a pessoa vai ao médico porque lhe dói o dente, parece oportuno estar a falar de fio dentário?
-Os resultados foram piores do que os esperados?-Acho que sim. Estamos a falar de jovens entre os 12 e os 18 anos e esperava que estivessem mais informados. Ainda me falta uma quinta nota [das conclusões do estudo] para dizer que os jovens provenientes de classes sociais menos escolarizadas – avaliada tendo por base a escolaridade que o pai ou a mãe tinham – eram aqueles que tinham pior higiene oral, que visitavam menos o médico dentista, era onde estava a maior prevalência de adolescentes que não conheciam o fim dentário.
-Também temos que juntar aqui uma questão financeira dos pais?-Essa é outra questão. Estas questões da saúde agregam, ou seja, não se tem conhecimento, é-se pobre, não se vai aos cuidados de saúde, não se tem informação sobre onde recorrer, etc, etc. Tudo isto é uma espécie de bola de neve quando se fala de escolaridade.
-A saúde oral é também um problema social?-Se vos perguntar qual é a doença mais frequente na sociedade portuguesa, seguramente vão-me dizer que é o enfarte miocárdio, o cancro ou o AVC. Mas se formos ver os números frios como eles devem ser vistos, a doença mais prevalente na sociedade portuguesa é a cárie dentária. Esquecemo-nos que a cárie dentária é uma doença com uma componente infecciosa grande. E se fizer a questão: Quem é que alguma vez teve cárie dentária? Provavelmente 99,9 por cento ou têm ou já tiveram.
-Como é que se faz uma boa escovagem da boca?-Numa das minhas passagens pelas Pousadas de juventude, um dia partilhei um espaço com um norueguês e, na higiene matinal, quando me dirigi aos balneários deparei que o indivíduo estava a tratar da higiene oral. Eu cheguei, fiz a minha higiene oral, desfiz a barba, tomei banho e, quando regressei á base, ele continuava com a sua higiene oral. Isto espelha bem a importância que não damos às questões da higiene oral e outros dão. Depois das refeições, seria sempre conveniente fazer a higiene oral, de manhã e à noite é o mínimo exigível. Utilizar uma escova adequada que deve ser substituída de três em três meses.
-O que é uma escova adequada?-Deve ser uma escova macia, é um princípio.
-O mercado tem boas escovas?-Sim, sim. Quando me perguntam se devem usar escova manual ou eléctrica, a resposta que dou é: usem bem. O médico deve indicar a escova adequada em cada caso.
-E as pastas dentífricas?-As marcas [do mercado], são marcas com a quantidade de flúor preconizada pela Organização Mundial de Saúde.
-Os estudo aponta para que os rapazes sejam mais desleixados que as raparigas. Há alguma explicação para isso?-Não tenho explicação.
-Isto devia ser alvo de um estudo individualizado?-Quando se faz investigação, seja em que área for, sempre que no mesmo estudo analisamos homens e mulheres, uma boa prática de investigação manda que separemos homens para um lado e mulheres para outro, sem nenhum tipo de preconceito ou de interpretações. Ser homem é ser diferente de mulher e a explicação dos problemas tem uma relação com o sexo.
-Quando é que os jovens vão ao dentista?-Os que pertencem a classes económicas mais favorecidas procuram o médico dentista com alguma regularidade e de uma forma mais rotineira.
-E cedo?-Sim. O Cheque Dentista abriu algumas portas. Temos crianças com quatro/cinco anos ou até mais precocemente. A primeira visita devia ser o mais cedo possível para que a criança brincasse com o médico dentista e percebesse que este fantasma tem tendência a desaparecer.
-O programa Cheque Dentista está a funcionar? Já há algumas críticas.-Acredito que não esteja a funcionar por feição e eu próprio já disse que não chega a todas as crianças, mas o pouco que se faça de bom é sempre bem vindo. A mensagem vai passando.
-O que é que se pode fazer mais pela boca dos jovens?-Eu penso que está tão mal que o pouco que se possa fazer é bem vindo. Tenho a certeza que uma escova e uma pasta de dentes custam uma décima parte do que é necessário gastar na hora de fazer uma reabilitação oral.
-Está a falar da falha da prevenção?-Naturalmente. Na esmagadora maioria dos casos, se o doente chega a esse estado é porque a prevenção primária falhou.
-O problema não é só dos jovens, os idosos é uma faixa etária complicada. Concorda?-Há uma fatia dos nossos idosos que chamar saúde oral [ao que fazem] é um atentado. Que saúde terá alguém que tem dores, que psicologicamente e socialmente se sente afectado? Isto é mais importante do que possamos pensar.
-Tratar os dentes em Portugal é muito caro. Isso é também um entrave à saúde oral dos portugueses?-Temos que ser realistas, há muitas pessoas que não conseguem pagar uma consulta.
-Aí devia entrar o Serviço Nacional de Saúde.-Não acredito que com os PEC’s isso possa vir a acontecer, mas facilitava o acesso a essas classes mais desfavorecidas que não tem como pagar. Devo confessar que deparamos com pessoas que têm dificuldade em pagar a simples consulta de 40 euros ou 50 euros.
-Há dentistas a mais em Portugal?-Eu costumo dizer aos meus alunos que este mundo hoje, como eu o vejo, deve ser entendido numa lógica de aldeia global de que tanto se fala. Temos que rodar. As pessoas têm que ter vontade de sair, de dar o salto. Visto por aí, há oportunidades de sucesso em vários locais da Europa e do mundo. Se começam a ser muitos para nós? Se calhar sim, mas há outras áreas onde começa a haver mais oferta e menos procura.
-Qual é a relação da saúde da boca com a nossa saúde?-Já falámos da obesidade, da má nutrição… os dentes não servem só para mastigar, servem para várias coisas, até para sorrir. Quem não tem dentes com os quais consiga fazer uma mastigação eficaz, naturalmente que isso vai-se repercutir-se em termos de digestão, os nutrientes não são absorvidos da forma mais eficaz e daí para baixo tudo pode acontecer: problemas gastrointestinais, digestivos, de mal absorção de alimentos, má nutrição. Depois, se pensarmos que uma boca mal cuidada é uma boca onde existem microrganismos das mais variadas espécies, esses microrganismos por si só podem ter relação com um conjunto de doenças, ao nível do coração, dos rins, do reumatismo articulado agudo, sinusite e todas as outras doenças que hoje em dia se sabe que têm uma relação directa. Acontece com alguma frequência aparecerem nos consultórios doentes com dores horríveis na face, na cabeça, dores de ouvidos, zumbidos, etc. E é frequente aparecerem, depois de serem consultados no otorrino, de serem vistos por um neurologista, por um psiquiatra e por colegas de outras especialidades. É impossível ter saúde, vista como bem-estar físico, mental e social, se não houver uma saúde oral adequada.
Jornal do Centro / Região de Viseu